Porque rejeitamos a "tradição"?

Porque rejeitamos a "tradição"?

As perguntas e respostas abaixo foram retiradas de um debate entre Gabriel Vinicios Silva Maganha e um católico. Em azul estão os questionamentos do catolicismo mais usados, e as respostas seguem imediatamente abaixo.


PQ rejeitam a tradição e o magistrado do verdadeiro povo de Deus?

         Porque tradições doutrinalmente não signficam nada. De acordo com os católicos, as tradições surgiram de alguma forma entre Cristo e/ou os apóstolos, uma doutrina ou uma verdade que foi dita ou vivida por eles e que não fora colocada na Bíblia. O primeiro grande erro é justamente esse. Se essas doutrinas fossem tão importantes, provavelmente não ficariam meramente na tradição, no boca-a-boca, mas sim transcritas e oficializadas. 

         Além disso, não é possível rastrear de fato as origens das tradições. Não dá pra saber se tal tradição veio dos apóstolos ou não. É por isso que nós rejeitamos todo e qualquer tipo de tradição em forma de doutrina ou verdade, pois pode muito bem ter sido usada pelo diabo para enganar os fiéis. É por isso que Lucas escreveu seu evangelho:

"Visto que muitos têm empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, segundo no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também a mim, depois de haver investido tudo cuidadosamente desde o começo, pareceu-me bem, ó excelentíssimo Teófilo, escrever-te uma narração em ordem. Para que conheças plenamente a verdade das coisas em que foste instruído."
Lucas 1:1-4

         Isso mostra que as narrativas escritas eram consideradas superiores às orais, em todos os aspectos.


Toda a palavra de Deus está na bíblia?

         Toda a palavra necessária aos cristãos está. Pois foi dito: "Tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito" Rm 15:4


E Jo 21, 25? 

         João não diz que Jesus ensinou novas doutrinas ou verdades, mas diz que fez muitos feitos maravilhosos. Ora, o próprio Cristo disse que nós faríamos coisas maiores que ele. Sendo assim, relacionar o versículo de João com as tradições me parece muito conveniente aos católicos, e nada mais que isso.

Desde a Reforma Protestante do séc. XVI, os protestantes seguem uma doutrina que o cristianismo jamais aceitou em seu meio: a "Sola Scriptura" 

         Nos primeiros séculos de cristianismo o Sola Scriptura era não apenas aceito, mas estava implicitamente dogmatizado como norma. Cirilo de Jerusalém talvez é um belo exemplo de defesa da Sola Scriptura:

"Porque concernente aos divinos e sagrados mistérios da fé, é nosso dever não fazer nenhuma insignificante observação sem submetê-la às Sagradas Escrituras, nem sermos desviados por meras probabilidades e artificios de argumentos."
Do Inglês: A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1845), "The Catechetical Lectures of S. Cyril" Lecture 4.17.


         Portanto, toda observação, por menor que seja, deve ser submetida às Sagradas Escrituras, e nunca às tradições ou à aprovação de quaisquer Sé Apostólica (sim, pois na época, Roma não tinha supremacia absoluta como hoje).



Hoje, existem mais de 20 mil denominações evangélicas, cada qual pregando sua "verdade particular", como se esta não foi Única. 

         O grande problema tanto católico quanto evangélico/protestante é que uns acreditam que (figuradamente) Jesus rejeitava todo tipo de carne, outros que Jesus rejeitava alguns tipos, outros não, e alguns outros dizem que Jesus comia de tudo. E fazem disso doutrina, quando o próprio Paulo nos alerta para que respeitemos as opiniões diversas quando estas se tratam de temas não relevantes ou fundamentais para a igreja.

"Um crê que de tudo pode comer, mas o débil come legumes; quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come, porque Deus o acolheu. Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster. Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia para o Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus."
Epístola de Paulo aos Romanos 14:2-10

         Admitindo que Paulo estava inspirado, vê-se que a salvação não será dada a um seleto grupo, cujas opiniões são idênticas e únicas, mas sim que para pessoas de todas as opiniões, de todos os ministérios, conquanto que não se desviem do fundamental, que é Cristo Jesus e sua ressurreição.


Então o que você realmente pensa sobre as Tradições?

         No contexto do cristianismo primitivo, devemos entender o real papel das tradições. Elas são úteis no combate às heresias, mas não devem ser encaradas como sendo mais do que um instrumento histórico, nunca teológico ou doutrinário. Vou dar um exemplo para que fique mais claro. 

         Vamos imaginar que Paulo e Barnabé visitassem uma igreja na Etiópia lá pelos idos de 44DC. Após consertarem alguns erros, saem de lá satisfeitos. Vinte anos depois, João e Timóteo visitam a mesma igreja. Ela permanece fiel e incorruptível.
Posteriormente, Inácio de Antioqua redige cartas os elogiando, e Cláudio Éfebo dá ótimos testemunhos sobre os irmãos etiopes.
Agora, vamos imaginar que cem anos depois surge uma doutrina nova na igreja etíope. Vamos imaginar que a doutrina afirme que todo cristão deve guardar o sábado. Que fazer diante disso?

         A Bíblia, nossa regra de fé e conduta, palavra de Deus perfeita, deve ser a principal arma para combater a doutrina. Porém a Biblia pode ser apoiada por relatos e evidências históricas, mostrando que a igreja etíope nunca guardou o sábado, e aparentemente nunca um dos apóstolos ou auxiliares diretos condenou-os por isso. Sendo assim, a tradição da igreja, ou seja, a história dela, é contrária à nova doutrina.
Dessa forma, sempre tendo como base a Bíblia, mas podendo usar de argumentos históricos (tradição), pode-se refutar uma heresia de forma muito eficaz.

         Nota-se, portanto, que há uma grande diferença entre considerar uma tradição como doutrina e usar uma tradição como complemento à argumentação. Imagine que você está debatendo com um ateu convicto. Ele irá de todo modo apontar supostos erros na Bíblia. Para se defender desses erros, você poderá utilizar de duas ferramentas: A própria Biblia e conhecimentos adjacentes.

         Se tal ateu jura que a Bíblia prega o geocentrismo (Terra como centro do universo), você pode combatê-lo com argumentos biblicos como também argumentos da física newtoniana. Ora, os argumentos newtonianos usados por você não serão incorporados à doutrina da igreja, mas servem como complemento e comprovação àquilo que está escrito.

         Dessa forma, usar certas tradições históricas cuja origem são confiáveis e bem documentadas é aconselhável ao combate de mentiras contra a fé, e nenhum protestante que conheço nega isso. Mas colocá-las em equidade com a Bíblia, isso sim é que condenamos.

         Como o intuito não é fazer um estudo pormenorizado, ao menos por hora, do assunto, me limito a fazer tão somente as ponderações acima, esperando que sejam úteis a todos.

Abraços, fiquem todos com Deus,


In corde Jesu, semper,
Gabriel Vinicios Silva Maganha editor do http://refutando.spaceblog.com.br